A sociedade do cancelamento ou a literatura como o incancelável
DOI:
https://doi.org/10.37508/rcl.2025.n54a1375Palavras-chave:
Cancelamento, Internet, Identidade, Literatura, DevirResumo
Pensar a problemática do cancelamento nos convida a abrir um leque reflexivo, pois muitas pontas se juntam nesse fenômeno. A noção, punitiva desde a etimologia, foi deslocada do universo dos eventos (“cancelar uma festa”) para o das relações humanas (“cancelar uma pessoa”). A questão se liga ao processo de digitalização do mundo, pois a internet é mola e palco da lógica do cancelamento. A web provoca uma sensível redução da linguagem, o que facilita uma mentalidade vigorosa de extrema direita. Membros de grupos historicamente marginalizados sempre tiveram componentes identitários como motores de identificação e resistência, acionando-os para o convívio entre diferenças e ações transformadoras. Contudo, uma militância predominantemente online acaba por replicar práticas do novo populismo autoritário, que, por sua vez, também se aproveita da identidade, mas vaga e performaticamente, como mantra segregacionista. O resultado disso é a assunção, por pessoas mais ou menos próximas ao que se entende como esquerda, de uma ideia de superioridade moral, que rege exercícios de vigilância e anulação de diversas divergências – majoritariamente no espaço, pouquíssimo aberto ao debate, da internet, que nos propulsa a um espetáculo individualista desejoso de ganhos simbólicos (curtidas, breves elogios). Quando a prática do can celamento atinge a Literatura, tende a, além de constranger debates que podem ter lugar, ferir a igualdade que o texto literário propõe entre quem escreve e quem lê. A Literatura, com sua superação do esquema forma/conteúdo, aposta num devir que o cancelamento constrange, ainda que conteúdos abjetos em obras literárias sempre possam ser deplorados.
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